domingo, 3 de junho de 2007

Ensinamentos de Calisto Elói de Silos de Benevides de Barbuda


Actualíssimo como tudo...de 1866

"Sr. presidente! que me não queiram persuadir de que estou em casa de orates! Que é isto? Que bailar d'ebrios é este em volta de Portugal moribundo? Como podem rir−se os enviados do povo, quando um enviado do povo exclama: Não tireis á nação o que ella vos não póde dar, governos! Não espremais o ubre da vacca faminta, que ordenhareis sangue! Não queiraes converter os clamores do povo em cantorias de theatro!
Não vades pedir ao lavrador quebrado de trabalho os ratinhados cobres das suas economias, para regalos da capital, em quanto elle se priva do aprezigo de uma sardinha, por que não tem uma pogeia com que compral−a."
E sai uma boca para a Ota...

"Sr. presidente! Eu irei contar aos povos, que me aqui mandaram, as gargalhadas com que fui recebido no seio da representação nacional, por que ousei dizer que um paiz carregado de dividas não instaura divertimentos attentatorios dos bons costumes com o dinheiro da nação."
E uma para o regionalismo esquecido...

"Sr. presidente gosem nas boas horas os sátrapas da capital os deleites da sua civilisação theatral.
Dispendam−se, arruinem−se, doudejem com essas ficções e visualidades, que relembram factos de alto escandalo que não deviam ser vistos á luz da civilisação, que o meu illustre collega preconisa. Se gostam, não serei eu, homem de outros tempos e gostos, quem lhes impugne a racionalidade de seus passatempos. O que eu requeiro, em nome da justiça e da pobreza do paiz, é que se não sizem os povos provinciaes para manutenção dos divertimentos de Lisboa. O que eu contesto é o direito de me fazerem pagar a mim e aos meus visinhos as notas garganteadas dos ganha−pães, que não tem na sua terra officio honesto em que vivam com seriedade e utilidade commum. O que eu sobretudo lamento, sr. presidente, é o silencio desapprovador dos meus collegas. Sou eu só: serei eu só o vencido. Não importa! Victis honos! As pequenas coisas tratam−n'as os pequenos: Parvum parva decent. Eu abro mão das glorias promettidas ao nobre collega, que, pouco ha, pediu subsidio para o theatro do Porto. Dêem−lh'o. Desenrolem a onda aurifera do Pactolo do nosso thesouro até Braga. Quem pede subsidio para o theatro bracharense? A equidade reclama−o. O meu circulo tambem quer um theatro. Theatro e subsidio para todo o logarejo onde morar um contribuinte. Estamos em vida ficticia como paiz independente. Somos como o sapateiro, que se veste de principe no entrudo. Pois bem!
Comedia geral! Seja Portugal um theatro desde Monção ao cabo da Roca! Peço uma companhia italiana para a minha terra. Os meus constituintes querem provar o sabor das delicias que tem estipendiadas em Lisboa. Se eu não posso, sr. presidente, levar−lhes a boa nova de que vão ter estradas que os liguem á sua nação, seja−me permittida a gloria de lhes levar a Lucrecia Borgia, a incestuosa e envenenadora Lucrecia, que os ha de edificar e converter á civilisação. Disse.
Aconselho a ler o livro "A queda dum Anjo", de Camilo Castelo Branco, e se puderem, tomem atenção ao capítulo VI, do qual algumas partes acima foram colocadas aqui, e façam o paralelo com o momento que vivemos, é delicioso..."

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